9.3.08

Mudança.

5.3.08

No metrô – Bonju

Quando me dei conta, o sujeito já estava ali com uma camisa da seleção francesa de futebol. Era uma camisa antiga, Le Coq Sportif. Acho que nem existe mais essa marca. Existe? Cara, eu tive uma camisa do tricolor da Le Coq. Nunca vou me esquecer o que foi ganhar aquela camisa, minha primeira camisa oficial do São Paulo. Outro dia vi um cara no Morumbi com uma dessas. Só pode ser farseta, não é possível. Estava novinha. Quando ganhei a minha, era, sei lá... mil novecentos e oitenta e poucos. Meu ídolo era o Zé Sérgio, um ponta esquerda que driblava o que viesse pela frente. Quebraram-lhe a mesma perna duas vezes e ele nunca mais foi o mesmo. Porra, mas como assim o cara veste uma camisa da França?

Será que esse cara é francês? Tem cara é de paranaense. Certeza... deve falar mais lei-TE quen-TE que champagne.

Lembrei-me dum amigo que ama o francês. O idioma, não me entendam mal. O cara estudou a língua de Victor Hugo por muitos anos e chegou a comprar CDs do Charles Aznavour para ouvir com sua namorada, numa época em que as pessoas ainda compravam CDs. Dizem as más línguas que ele chegou a ficar feliz com as seguidas vitórias da França sobre nosso escrete nas Copas de 1998 e 2006, coisa que duvido. Eu o conheço bem e sei que não se daria a tal inconfidência. Napoleão Bonaparte pode ter conquistas mais grandiosas que Deodoro da Fonseca, mas o Zidane pra chegar num Pelé manco e caolho, tem que comer muito, mas muito escargô. Nada: é arroz e feijão mesmo que o cabeção tem que comer. E deixa esse cara pra lá que ele me traz péssimas recordações.

A última vez que encontrei esse meu amigo que fala francês, saímos pra tomar um chope numa espetacular esquina da ensolarada Jaú. Perguntei-lhe como andava o idioma dos três mosqueteiros que, por sinal, andava meio devagar.
-Dei uma desencanada, viu meu?
-Mas por que, bicho? O biquinho que você fazia pra falar abajur era ótimo.
-Tô meio sem tempo e, no mais, se você quer mesmo saber da verdade, três caras me ensinaram que não há língua mais bonita que a nossa, viu meu?
-Quem?
-Machado de Assis, Nelson Rodrigues e Chico Buarque.

E não é?

A camisa da França da Lê Coq Sportif desceu na Sé, minha descida. Ainda a segui por dois lances de escadas, pensando em como seria bom se tivesse Joaquim, Nelson ou Francisco pra me explicar regência nominal.

25.2.08

No metrô – Duro de aguentar.

A pilha do meu i-pod genérico havia acabado há duas estações quando ela entrou no metrô, na estação Liberdade, com dois colegas. Eu não tinha nada pra ler no caminho, salvo meu caderno e um exemplar da Constituição Federal, de modo que preferi vir ouvindo a conversa dos outros a me entregar à leitura. De leis e teorias eu já havia tido o suficiente para uma quarta-feira.

Logo um assento vagou ao meu lado e ela o dominou, tão rápido quanto sua língua que esbanjava preparo físico àquela hora da noite. Com que vigor reclamava de tudo! Talvez por isso tinha os olhos tristes e uma postura curvada, como se carregasse um enorme peso sobre as costas franzinas. Quando ela se acomodou no assento, já descascava o prefeito. Depois, veio a ex-prefeita, os telefones celulares, os bares da Vila Madalena, os motoboys, o Arnaldo Antunes, o Lost, a insegurança que não permitia que ela pudesse caminhar do ponto de ônibus até a sua casa com tranqüilidade, a mulher do cafezinho lá da firma, os cobradores de ônibus e os Racionais MCs e suas gírias suburbanas. E por falar em suburbana, perguntou se os amigos conheciam a namoradinha do Armando.

-Não.

Não? Nem ela. Mas isso não a impediu de descascar a tal moça que vivia lá na Zona Leste.

-Imagina o naipe, né?

Sei que o Armando trabalhava das 8 da matina às 19:30, quando todos saíam as 20h. E, se o Armando trabalhava só 10 horas e meia por dia era porque ia buscar sua pequena na faculdade. Enquanto a moça cacetava o pobre apaixonado, eu imaginava o velho e bom Armandão atravessando a cidade, feliz da vida, para ir buscar sua namorada. Pegava-a na faculdade e a levava pra casa, ouvindo as novidades e roubando-lhe beijos entre um e outro sinal vermelho. Entregava a garota no portão de sua casa simples, dava-lhe mais uns beijinhos, uns apertos, fazia juras de amor e voltava, já transbordando de saudades antes mesmo de chegar ao seu carro.

-Ele tá pensando o que? Que sai cedo todo dia, como se a firma fosse dele? Pensa que está numa repartição pública? Quer moleza, vai ser funcionário público, pô!

Agüentei calado aquela declaração que ardeu-me como um tapa na cara. Dizer o que? Eu estava cansado pra discussões. Mas não ela para cornetar. E assim chegou a vez do bruxinho camarada Harry Porter. Se o livro já era um lixo, o filme então nem se fala. Meu Deus! Como uma mãe pode deixar um filho ler um negócio daqueles. Pior é dizer que aquele filme é legal. Não dá, né? E por falar em filme, perguntou aos amigos, com um sorrisinho de desprezo, se eles haviam visto Duro de Matar 4. Quatro ponto zero.

-Não.

Pois não haviam perdido nada. Aquilo era uma merda, com o perdão da palavra. Meu Deus, como alguém pode ver aquilo e gostar? Ela foi, viu sim, mas foi praticamente obrigada pelo irmão. Saiu do cinema com vontade de exigir seu dinheiro de volta. Nem a pipoca prestou. Aquele Bruce Willis tinha mais era que se aposentar e o seu personagem era uma porcaria, um enlatado americano nojento desses que não valem um tostão furado. Mas qual era mesmo o nome daquele policial idiota?

-John McLane, respondi levantando-me para descer. John McLane, moça. E saiba que se houvesse um John McLane no seu bairro, um só, você poderia descer do ponto de ônibus e caminhar até a sua casa com absoluta segurança, mesmo que carregasse nessa sua bolsa surrada 6 milhões de dólares. E se John McLane trabalhasse em Sampa, talvez hoje você não passasse por nove estações de metrô metendo a boca em tudo que é ser vivo deste planeta.

Saí sem ouvir sua resposta ou saber se houve alguma. Falar mal de servidor público, tudo bem. Mas de John McLane ninguém fala mal e sai impune pra contar.

Ninguém.

18.2.08

No metrô – turma de exercícios.

O trem demorou a chegar, provocando um pequeno tumulto na porta do vagão. Nada muito desesperador se comparado a Estação Sé, por volta das 18:30. Mas aquele pequeno aglomerado me causou um certo desconforto. Devo estar ficando, de fato, velho para multidões.

Uma garota desesperada por um assento passou por todos sem fazer cerimônia alguma em ocupar um assento cinza reservado aos idosos, grávidas, deficientes e fudidos em geral. Eu me arrumei num canto, aumentei o som do meu I-Pod genérico e viajei, estação após estação, em nada. Creio que nenhum pensamento consistente me passou pela cabeça. Cheguei a esboçar um movimento pra retirar a Constituição da mochila e dar uma olhada num artigo qualquer, mas tal pensamento não chegou a ser levado a sério pelo meu cérebro. Não fazer nada já estava de bom tamanho.

Chegamos à Liberdade e mais gente embarcou, apertando ainda mais as pessoas no vagão. No assento cinza, a garota não parecia mais desesperada. Aliás, estava muito tranqüila lendo um livro qualquer. Não consegui ler o título da obra, mas troquemos o livro por uma revista vagabunda de fofoca e temos aí a vilã ideal: sem escrúpulos ou senso de cidadania, essa alienada tomou o lugar de uma velhinha cansada, deixando a pobre ansiã pendurada à sua frente, sofrendo em suas varizes tão abundantes quanto os rios numa carta hidrográfica amazônica.

Maldita garota!

E pra ela eu olhava com desprezo quando me dei conta que havia esquecido a borracha em cima da mesa da sala, no meio dos meus rascunhos de exercícios de Contabilidade.

Naquele dia, eu não poderia errar.

9.1.08

Transitado em julgado.

No ano corrente, todos os sonhos ficam suspensos até a aprovação final.

18.12.07

No saco do Noel.

Pedi uma gramática de Natal. Meus pais agiram como se fosse uma coisa natural o filho, outrora festeiro incorrigível, pedir uma Gramática no Natal. Pediram-me detalhes sobre a obra para que pudessem comprar exatamente àquela que atendesse ao meu desejo estudantil. Meu pai ainda me olhou com um sorriso desconfiado, como se dissesse “você tem certeza, meu filho? Uma Gramática?”.

-Sim uma gramática. Vou dar uma pesquisada sobre alguns autores e em breve passo o pedido completo pra vocês, oká?

Dentre as milhares de desvantagens que acumulamos em ser adultos, ainda temos um ou outro aspecto que joga a nosso favor. O Natal, por exemplo, não nos traz mais toda aquela magia e felicidade, embrulhadas em papel de expectativa com fitas de ingenuidade. Mas em compensação, podemos negociar abertamente com nossos Papais Noéis de modo que tudo fique absolutamente claro. As listinhas de desejos depositadas na árvore natalina são substituídas pelo pedido fatal e inequívoco. Com o passar do tempo, os desejos se tornaram ordens. Mas voltemos a Gramática e a minha pesquisa, durante a qual obtive um conselho fantástico.

-Não compre uma Gramática nova. Use uma dessas Gramáticas antigas que você tem em sua casa. Aquelas do colegial, sabe?

Disse-me o professor de português e por isso digo que a advertência foi fantástica. Jamais imaginei que um professor de Língua Portuguesa me diria pra não comprar uma Gramática nova, mas sim utilizar aquela toda estropiada do colegial. Explicou-me que tudo o que eu precisava para me dar bem nas provas da língua pátria eram aulas, estudo sobre o material dado em sala, muitos exercícios e uma ou outra consulta extra-curso, as quais seriam plenamente satisfeitas na velha e boa Gramática do colegial.

E cá estou com uma Gramática de capa colorida, com meu nome escrito numa etiqueta junto ao 1º Colegial C, no capítulo das preposições. Folheando-a, sinto-me um arqueólogo de mim mesmo: a letra redondinha resolve exercícios, nos cantos das páginas encontro desenhos de baterias com dois bumbos, guitarras, do escudo tricolor que ainda não tinha as estrelas mundiais, nomes de bandas de rock e mais um sem número de testes feitos – que não eram da ESAF, FCC ou CESPE mas sim da FUVEST, UNICAMP e VUNESP.

Rapaz, um dia um soube disso tudo! Mas como hoje não sei? Será que os mestres eram ruins ou o aluno um medíocre decorador?

Sei que nessas mudei meu pedido que nada mais tem a ver com uma obra de estudo. É como se de repente eu voltasse a ser criança e pedisse algo não tão utilitário, mas sim divertido. Meu presente será um livro, mas soa como uma bola de capotão Kichute número 4, daquelas que motivava grandes clássicos de minha rua. Pelejas imortais, avassaladoras, que nos roubava até o último suspiro antes do fim das férias.

Quando refiz meu pedido, percebi um certo alívio no sorriso de meus pais. Minha mãe me abraçou fraternalmente e meu pai me ofereceu uma cerveja, que vou tomar logo depois que terminar uma bateria de exercícios sobre crase.

E feliz Natal.

12.12.07

Teorias

Certa vez, Amaral, um amigo que jamais jogou na volância do Palmeiras ou teve a coluna estrupiada pelo Romário, disse-me que as relações humanas são como pratinhos que você equilibra em varetas, como um profissional circense. Quando um pratinho ameaça cair, cabe a você dar lhe um impulso, uma girada para que ele permaneça em equilíbrio. Até que chega um dia em que você recebe uma ligação de uma garota que conheceu há algumas baladas. Ela vem com um papinho mole, sem muito dizer mas claramente mostrando que está ali e que, quem sabe, algum dia, poderia rolar um choppinho. É quando você se dá conta de que também é um pratinho.

Hoje o meu amigo equilibra um único e adorável prato e se mantêm girando, feliz e menos ranzinza que há alguns anos. Eu não tive a mesma sorte e, pra dizer a verdade, sempre fui melhor palhaço que equilibrista. Pratos que não valiam a pena eu girava com ternura enquanto outros, não tão rasos, eu deixava que se espatifassem no chão. Tudo com muitas cambalhotas, piruetas e trapalhadas. E depois, longe do picadeiro, ouvia o seu Francisco cochichar-me ao pé do ouvido:

-Vida, minha vida, olha o que que eu fiz....

Lembrei disso tudo quando, no final de semana passado, o professor de Comércio Internacional falou sobre a Teoria do Amaral, porém, adaptando-a para o contexto concursal. Ele substituiu os relacionamentos pelas matérias cobradas em concursos públicos e voilà: temos mais uma metáfora do mundão.

Pô, ninguém vai contar uma história que tenha umas cervejas geladas em ampolas de 600ml, uma praia ensolarada com um mar Verde Jeri, uma rede entre as palmeiras e um monte de gostosas com os peitões pra fora abanando o concurseiro aqui?